A CONCEPÇÃO DO SER SEGUNDO SANTO TOMÁS DE AQUINO
A busca pelo conhecimento e conceituação das coisas e de si mesmo é inerente ao homem desde os tempos mais remotos. Os gregos foram os primeiros, segundo os escritos que chegaram até nós, que se preocuparam em sistematizar as indagações e formulações de conceitos, no que diz respeito a filosofia e logo ao que se refere ao ser.
Quando os helênicos se indagaram sobre o princípio originador das coisas, caracterizando a filosofia, como cosmológica, contribui no que se refere ao ser, de modo específico Parmênides e Heráclito, este com a concepção que as coisas são mutáveis, estão num constante devir, o denominado vir-a-ser das coisas, naquele são imutáveis nada muda, as coisas são o que são, são sempre as mesmas, apresentado de forma geral.
Aristóteles, ao se deparar com este problema soluciona com os conceitos de ato e potência, os quais estão inerentes nos seres, exceto no motor imóvel, aplica ao ser. Na sua metafísica, esta formulação é aplicada a sua conceituação de ser, onde para ele o ser é aquilo que é sendo, este móvel e imóvel, a partir das suas substancias e categorias, isso nos proporciona base para a concepção de ser em Tomás de Aquino, o qual nos é proposto em discorrer, que tem em sua metafísica uma formulação com raízes do filósofo.
O problema da conceituação do ser é preocupação remota, e dentre as formulações elaboradas, uma das mais adequada certamente é a formulada na metafísica de Santo Tomás de Aquino. O qual na obra “De ente et essentia” estabelece um conceito base do ser, de sua metafísica e muito relevante para o estudo metafísico. Nesta faz a relação de essência e existência, a partir da determinação do ser no ente, dentro das substancias de cada coisa. No entanto como o próprio Tomás diz, comecemos pelas coisas mais fáceis para depois atingir as mais complexas, a partir desta proposição iniciemos pela conceituação do ente, para que possamos atingir a compreensão do ser.
De modo perceptível diz-se que o ente é o ser determinado, é a demonstração de existência do ser. A concepção tomista apresenta o ente de dois modos: ente lógico e ente real. No ente lógico o ser está em conceitos sem que estes existam na realidade, como o é pensado, é expresso pelo intelecto. Como por exemplo, a cegueira não existe na realidade como ser, mas como objeto do pensamento onde apregoa que alguém esta privado da visão. No ente real há a distinção entre a essência e a existência, cognominamos o ente como o ser determinado, e o ser como aquele que é, extraímos que o ente é aquilo que existe, deste modo o mundo e Deus é ente, porém, de modo análogo, pois o mundo tem o ser, já em Deus o ser é, n’Ele o ser e a essência se identificam, é ser subsistente, ele é em si mesmo, denominado como “ato puro”. Diz, Tomás:
“Primeiramente, existe algo, como Deus, cuja essência é o seu próprio ser ou existência. Razão pela qual há filósofos que afirmam que Deus não possui essência, pelo fato de a sua essência coincidir com a sua existência”. (De ente et essentia, cap. VI)
Nas coisas criadas, no homem há uma distinção entre essência e ato de ser ou existência, este ente é real, a partir do ato de ser, de existir na realidade visível. Desta proposição concluímos que a essência é aquilo que indica cada ente, é a individuação das coisas, diferindo cada ente. Nas criaturas, com inclusão do homem, há potência para ser, por meio da participação do ser primeiro, nelas a disposição para ser ou não ser, desta findamos que são contingentes, pois podem existir e deixar de existir. Se forem contingentes não vivem em função de si mesmos, mas em função daquele que é em si mesmo. Vejamos o que diz Santo Tomás:
“Tudo aquilo que recebe alguma coisa de outro está em potência com respeito a este outro, e o que se recebe é para ele seu ato. Em consequência ou qüididade que é a inteligência humana necessariamente está em potência em relação ao ser que recebe de Deus;” (De ente et essentia, Cap. V, n. 4)
Articulamos até aqui do ser do ente, de como a essência se concretiza nas coisas, discorreremos a seguir sobre os de três possíveis modos que a essência pode encontrar-se nas substâncias.
Comecemos, com a substância divina, na qual a essência e existência se identifica como dissemos anteriormente, desta percepção concluímos que não se inclui em nenhum gênero, pois este necessariamente possui ser ou existência, a qual por natureza de modo diverso se encontra nas diversas coisas e de diversas maneiras. Deus é exclusivamente ser, e n’Ele está todas as qualidades em excelsa perfeição, é o ser por primeiro. Diz Santo Tomás:
“[...] possui todas as perfeições existentes em todos os gêneros, razão pela qual se denomina o perfeito puro e simplesmente, [...], com a diferença de que possui todas essas perfeições de maneira mais excelsa que as outras coisas, pelo fato de n’Ele todas as perfeições constituírem uma só coisa, ao passo que nas outras coisas são diversas.” (De ente et essentia, cap. VI)
Doutro modo, se diz das substâncias imateriais ou espirituais, estas são privadas da matéria, possuem apenas a forma e nelas a essência difere da sua existência, elas são diferentes entre si, portanto há gênero e espécie, não como nas compostas, pois carecem de matéria, porém elas são também criadas, possuem a potência, do qual tiramos que são finitas, porém com relação às compostas elas são infinitas, mas não em si mesmas, mas pelo ser primeiro, estas quanto mais se aproximam do ato puro, mais alcançam maior perfeição, nos deparamos com o princípio de individuação, inclusive com o ser do homem no qual a alma depende do corpo, já que esta é em ato no corpo, o qual a individualiza.
A terceira se concretiza nas substâncias composta, de forma e matéria, estas recebem o seu ser de modo exterior, sendo criadas e finitas. Estas se finitas se comparadas aos seres superiores e inferiores, por receberem o seu ser na matéria signada. Nestas substâncias há uma multiplicidade de indivíduos em cada espécie.
No que discorremos, cabe notar a diferença, pela nova conotação que o pensamento tomista traz, em relação à metafísica grega. O ponto fundamental que caracteriza a ontologia tomista vai além do indagar a respeito da existência do ser, ao invés do nada. Sua metafísica vai mais adiante, é a filosofia do ser, a partir da essência e do ente, no qual conceitua não somente a essência e existência do ente, mas o próprio ser.
Na via desta conceituação nos deparamos com os transcendentais do ser, as propriedades inerentes ao ser, o qual se concebe como Uno, Verdadeiro e Bom, apresentados nesta sequência.
A compreensão sintética do ser como uno, é que neste, não há contraditóriedades, há uma unidade na sua percepção por sua veracidade. Há qual se predica tanto de Deus como do homem, mesmo que de modos diferentes, por analogia, onde em Deus é por ser simples, uma unidade perfeita, portanto no homem por ser composto e criado, sendo criado participa da unidade do ser criador.
A verdade ou verdadeiro se entende algo que transcende o ente, tendo em vista que todo ente é inteligível, porque pensado pelo ser inteligível, neste sentido há uma verdade ontológica no próprio ser do ente, e a verdade racional ou lógica, na qual a mente do homem se depara com o objeto, e deste resulta o conhecimento verdadeiro, Tomás diz: “a verdade consiste na conformidade da coisa com o intelecto” (verdade e conhecimento, p. 71). A verdade no ente depende da capacidade ou grau de ser que possui, no que se refere a Deus, que é o ser em suma verdade, no qual o homem pode participar .
O Ser é uno, verdadeiro, este em sua perfeição diz que é Deus. Como perfeito este é Bom, se é bom, tudo o que existe é bom, pois é fruto da expressão de sua bondade suprema. Ele o desejou, o ente tomou existência, este é fruto de sua vontade, n’Ele a vontade e o desejo se identificam, e justamente por este identificação as coisas pensada por Ele tomam vida. Esta bondade a concebemos de três modos: o bem honesto, aquele desejado em si mesmo, pelo desejo de realizar o bem; o bem útil, aquele almejado, tendo em vista uma recompensa do mesmo; o bem deleitável, neste sente-se prazer em realiza-lo.
A conceituação que Tomás concede de ser é analógica, por se predicar a partir da semelhança e dessemelhança com o ser do ente, de modo especifico com os efeitos demonstrados no homem. Há uma diferenciação de metafísica tomista no que se refere à analogia do ser da apresentada por Aristóteles, no primeiro a forma é vertical, no tocante as substâncias e os acidentes, não mencionados neste escrito, no segundo, a forma utilizada é horizontal, fazendo relação entre o ser finito e infinito, entre Deus e as criaturas, nesta via de pensamento, há semelhança e dessemelhança, onde não são idênticos, mas também não diferem totalmente, não do mesmo modo nem com a mesma intensidade.
Portanto, o ser é análogo, por conhecermos pela relação de semelhanças. O ser se determina no ente, o qual se divide em ente lógico e ente real, estes formados por substâncias diferentes, onde se diferenciam pela essência e existência, no qual apenas em Deus estas são idênticas, assim como a partir das substancias compostas, nas quais há forma e matéria, conceitua-se a individualidade do ente, com o princípio de individuação. Por último conceituamos as propriedades inerentes ao ser, este como transcendental, Uno, Verdadeiro e Bom.